segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Vida Humana é Sagrada


Mais do que todas, essa regra há de ser absoluta, inflexível e monolítica, para sobreviver.
Aberta uma só exceção, esvai-se.

Porque admitindo que neste caso não é sagrada, logo se admitirá que também naquele não o será.

Quem estabelecera o (s) critério (s) para fixar o (s) limite (s) da exceção?

Se a tarefa for confiada, por exemplo, a Peter Singer, professor de bioética da Universidade de Princeton, EUA, ele fará da exceção a regra: “nem toda a vida humana é sagrada”. Ou, ainda mais incisivamente: “nem toda vida humana deve ser preservada a qualquer custo apenas por ser humana”.

Em outros tempos, ele já defendeu que não é errado matar um bebê de até 28 dias de idade, porque até esse momento ele não tem consciência de si e “não tem o mesmo direito à vida que outras pessoas”.

Hoje, menos radical, ele postula apenas a validade do aborto eugênico, do aborto estético (ele não veria problema em conceder aos pais a oportunidade de evitarem ter filhos feios) e do aborto sexo-seletivo (se a mãe tivesse dois meninos e quisesse uma menina, isso poderia ser motivo suficiente para o aborto).

Superado o choque inicial, sobreviveria uma certa sensação de... relativo conforto à crista da verificação de que, pelo menos, o Prof. Singer é um homem que não esconde as suas ideias e as suas inclinações: se tivesse um filho com síndrome de Down, ele ofereceria a criança para adoção. (1)

É bem verdade que fica no ar uma pergunta inquietante: e se não fosse encontrado “um casal disposto a criar a criança”? Não é o caso, porém, de fazer conjecturas tendenciosas e tenebrosas, sem conhecer de perto o ilustre professor.

Eis o problema todo: quando? Em quais hipóteses a vida humana não é sagrada.

Gratia argumentandi, digamos que o critério da malformação congênita fosse satisfatório, em princípio, para justificar a descartabilidade de criança. Em princípio... No entanto, surgiria o problema de saber qual o grau de malformação universalmente válido: quando se aproxima, v.g., de um caso de anencefalia, o critério poderia exalar um certo odor de compaixão, para alguns; quando pairasse sobre um modelo apolíneo e/ou hercúleo, o critério pareceria quiçá demasiadamente espartano, para outros.

Acontece que o simples fato de entrar numa polêmica com variáveis desse tipo – até ai, tudo bem, pode matar, mas além desse limite, tenho dúvidas – já é dar prova de malformação espiritual. E não seria este um casuísmo de primeira qualidade para o rol da eutanásia piedosa?

Quando se admite possa a vida humana se desvestir de sacralidade em tal ou qual circunstância, entrega-se a assassinos de todo gênero (piedosos e impiedosos) a decisão de saber o que restou de intocável na vida humana. E por acaso assinanos estão qualificados para esse munus?

(1) Folha de São Paulo, Mais!, 22.06.2001.



Desembargador Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.
In. Crime e Castigo, reflexões políticamente incorretas, Campinas: Milennium Editora, 2002, p. 132-133.

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